Palavras de Jorge Ferreira

MARCOS  ANTONIO  GONÇALVES, procurou-me, numa tarde de 1985, para tratar de assunto relativo à COOPERATIVA DE CONSUMO DOS EMPREGADOS DA VOLKSWAGEN, de cujo Conselho Interventor ele fazia parte. A entidade estava sob intervenção dos Cooperados. Sua intenção ao procurar-me era que eu integrasse aquele trabalho interventivo, que tinha por objetivo sanear a instituição. Na intenção de Marcos, eu seria assessor jurídico do conselho interventivo.

Ocorre que eu patrocinava ação de cobrança pela empresa ARROZ MANDIRÁ, de titularidade do saudoso senhor João Brochini, exatamente contra a Cooperativa, o que me impedia, eticamente, de qualquer relação com a Cooperativa, inclusive conversar com seus diretores e conselheiros.

Assim, Marcos falou-me do esforço que desenvolvia aquele grupo interventivo e que estavam dispostos a propor um acordo que extinguisse a ação judicial para liberar-me do entrave ético.

Celebrado o acordo, extinguiu-se a demanda que eu patrocinava contra a tal Cooperativa e Marcos me convidou para assessorar aquele Conselho. Marcos deu-me uma máquina de escrever, uma secretária, papeis e um espaço nos escritórios da Cooperativa. Foram produzidas uma instrução  normativa funcional e várias ordens de serviço.

Havia muitas irregularidades administrativas que justificaram a intervenção. Para indicação de culpados, foram instauradas algumas comissões de sindicância. Eu presidia as Comissões, interrogava os convidados (funcionários, fornecedores, etc.), datilografava depoimentos  e elaborava os relatórios finais que esclareciam os fatos perquiridos, indicavam as irregularidades, apontavam eventuais prejuízos para a Instituição e indicavam os culpados, quando havia.

Os setores administrativos eram separados por divisórias de piso a teto. Inicialmente foi reduzida a altura das divisórias, de forma que todos os funcionários expunham o que estavam fazendo, sempre.

Merece observar que estávamos em 1985, quando a Junta Militar nacional preparava os partidos e o povo para elegerem um presidente da República civil. E já havia campanha nacional promovida por alguns candidatos, à presidência da República.  Também corria boatos sobre o que o presidente civil faria e o que desfaria. Boatos garantiam que nova “constituição” seria redigida, afastando os mecanismos que deram sustentação ao Governo Militar. Havia boatos de que, na nova constituição, a aposentadoria viria após mais anos de trabalho. O regime do funcionalismo seria modificado. Tantos eram os boatos que já geravam insegurança geral.

Com a promessa de entrega do Executivo para um presidente eleito pelo povo, o Partido dos Trabalhadores exibia muita força, com aparência de apoio externo, porque representava o movimento comunista internacional, aquele que determinara o movimento de 1964  e a queda de Jango Goulart (João Belchior Goulart, gaúcho de Bajé).

Fato é que filiados do Partido dos Trabalhadores, que eram contra as instituições brasileiras, estavam se infiltrando nas entidades sociais.

Em 1985, alguns filiados ao mesmo partido, em São Bernardo do Campo, já haviam “quebrado” a Cooperativa dos Empregados da Ford do Brasil e estavam quebrando a Cooperativa dos Empregados da Mercedes Bens. Essas duas desapareceram.

A depredação  da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Volkswagen já estava em estágio avançado, quando  o  grupo liderado pelo Marcos forçou e obteve a intervenção.

Quando da intervenção, o ex-presidente, mero operário da Volkswagen, ostentava posse de veículo da marca Mercedes Bens, com motorista particular, custeado pela mesma Cooperativa. Além disso,  morava em mansão no Bairro de Morumbi, em São Paulo e, mais, esbanjava riqueza, por onde passava.

O ex-Conselho Administrativo também esbanjava sucesso.  E a Cooperativa operava no vermelho há meses.

Aquela administração petista contratara vários Coronéis reformados, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que dava proteção aos ditos administradores. Esses Coronéis não apareceram durante a intervenção, mas poderiam estar desenvolvendo alguma missão confiada pelo Conselho deposto.

Os interventores sanearam as finanças e cumpriram o propósito de convocar assembleia de eleição. No dia da assembleia, estavam, no recinto (loja de Santo André), todos os senhores Coronéis que serviram à diretoria deposta e mais alguns senhores, todos devidamente bem armados, com armas pesadas, de pequeno tamanho.

Essa presença obrigou os Interventores a acionar a Secretaria da Segurança Pública, que mandou o Serviço Reservado da Polícia Militar ao local. E houve a condução dos invasores, para fora da loja, em veículo da Secretaria  da Segurança.

Assim, em 1986, fez-se a assembleia eleitoral e os cooperados, livremente, elegeram novos conselheiros e o senhor Claudio Chowe, como presidente.

A presença de Marcos, em todos os atos interventivos foi sumamente importante. Ele conduzia, com mão firme, os atos das comissões de sindicância e dava sequência aos relatórios que recebia. Houve muitos casos de “demissão com justa causa”; houve casos que geraram processo crime; houve casos que forçaram a devolução de objetos que haviam sido furtados, e coisas do gênero.

Destacamos que a Cooperativa venceu todas as ações que propôs, bem como todas as que sofreu, por iniciativa de pessoas que demitiu, nessa época de transição.

Nesse trabalho, Marcos se defrontou com muitos fatos inusitados. Havia cheques que estavam guardados para prescrição, de emissão de delegados de polícia, de juízes de direito e de pessoas ilustres da região. Havia funcionários da “segurança” que estavam acostumados a levar cestas, com as respectivas listas, de compra sem nota fiscal, para figurões, trazendo, de volta, cheques ou notas promissórias no valor da lista, títulos esses que ficavam guardados em gaveta e não eram resgatados.

Muitas vezes, trazia de volta parte da mercadoria para trocá-la por outra.

Marcos se surpreendeu com Consórcio de Automóveis da Cooperativa, porque havia pessoas que conduziam as assembleias, de forma a contemplar quem elas quisessem.

De consequência, muitos funcionários foram substituídos e, também, muitos diretores foram demitidos e processados, inclusive uns que estavam apadrinhados de pessoas e instituições importantes.

Com isso, Marcos mexeu com muita gente e granjeou adversários gratuitos e correu risco pessoal.  Porém, cumpriu sua promessa de sanear a Cooperativa e entrega-la a um novo Conselho.

Marcos Antônio Gonçalves, quando o conheci, com 29 anos de idade, já era uma potência em criatividade. Trabalhava na Volkswagen de São Bernardo do Campo, cuidava de seu irmão mais novo, portador de necessidades especiais. Levou todos os irmãos e irmãs para trabalharem na Volkswagen e organizou a habitação de todos, que eram solteiros.

Marcos fabricava ainda, nessa época, lustres, de acrílico, como trabalho manual, sob encomenda. Vivia liderando grupos de jovens e, por conta disso, filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Assumiu liderança no dito Sindicato e sofreu todas as consequências da afronta ao Governo Militar,  como era usual na atividade sindical.

Também foi preso.

Paralelamente, procurava encontrar uma vida decente para seu irmão João que padecia de uma espécie de paralisia cerebral de infância.  Nessa busca, encontrou outros funcionários, dentro da Volkswagen, também com familiares portadores de necessidades especiais.

Reuniu esse pessoal e sugeriu que formassem uma entidade para aquele fim. Ideia aceita, foram pedir apoio da Diretoria da Fabrica. Assim nasceu a AVAPE – Associação para Valorização de Pessoas Especiais.

Em 1986, a intervenção na Cooperativa terminou com a eleição de novo Conselho e de Claudio Chowe como presidente. Com isso eu me afastei do convívio com o Marcos.

Voltei a me encontrar com o Marcos em 1995. Ele era presidente do Conselho de Administração da AVAPE. A AVAPE crescia a olhos vistos, por todo o Brasil. A convite do Marcos, tornei-me membro do Grande Conselho da AVAPE, conselho esse composto de cem (100) pessoas.

Marcos multiplicou a AVAPE, instalando unidades em todo Brasil. Ele fez a AVAPE se relacionar com todas as entidades de Assistência Social existentes no Brasil, formando uma grande força que ele denominou: TERCEIRO SETOR.

Marcos sempre foi eleito, nas entidades por onde passou e sempre se dedicou a atividade assistencial. Portanto, sempre foi um VOLUNTÁRIO, sem salário.  Toda assistência que prestava era gratuita e paralela à atividade profissional, remunerada.

Sei, ainda, que  o espírito irrequieto do Marcos levou-o a criar muitas outras entidades de auxilio social. Por isso, Marcos está ligado, indelevelmente à assistência social deste Pais.

Jorge Ferreira, Ferreira Advogados

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